Saúde mental: ansiedade e o medo do futuro
*Texto de autoria de Dr. Rodrigo Silveira em parceria com a equipe do Instituto Singular
Nós seres humanos, ao contrário de outros animais, temos grande capacidade de lembrar do passado e de imaginar como pode ser o futuro. Estas habilidades foram a chave para a chamada revolução do conhecimento, que nos diferenciou muito dos demais primatas. Isto, sem dúvida, é uma das dádivas de ser humano.
Entretanto, não manter o equilíbrio nesses devaneios e ficar compulsivamente imaginando como será o futuro é a causa dos transtornos de ansiedade e depressão.
Isso se agravou ainda mais com o momento que estamos vivendo. Nem sempre essas pessoas terão um amparo decente: o novo Atlas de Saúde Mental (Mental Health Atlas, em inglês) da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstra que, num cenário mundial, há uma falha preocupante no fornecimento de serviços de saúde mental às pessoas que precisam.
Para se ter uma ideia, segundo o Atlas da OMS, dos 194 Estados Membros da OMS, apenas 51% possuem políticas ou plano de saúde mental nas medidas dos instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos. Por isso, podemos dizer que há muitos caminhos a serem traçados para a melhora deste cenário.
Muitas pessoas pensam de forma compulsiva sobre o futuro. Isso quer dizer que, mesmo que não queiram os pensamentos sobre o amanhã, eles vêm a mente sem descanso. Quando estamos pensando incessantemente sobre o amanhã, criamos em nossa mente problemas que não existem e que, na grande maioria das vezes, nunca irão de fato acontecer. Mas é importante ressaltar que esse sofrimento por antecipação pode afetar qualquer pessoa, de qualquer idade e classe social.
Quais são os sinais de ansiedade?
Antes de pontuarmos as características deste transtorno, é importante ressaltarmos que a ansiedade não precisa ter uma causa específica, como o medo. Os chamados gatilhos, que são os estímulos que desencadeiam as crises de ansiedade, podem resultar de questões biológicas, sociais e de experiências traumáticas, mas que raras vezes são identificadas pela pessoa afetada.
Por outro lado, as crises podem ou surgir do nada, sem nenhum motivo específico, até mesmo num período em que a pessoa está bem. Compreender esse fato contribui para uma interpretação mais correta e menos estigmatizada da ansiedade. Além disso, é por isso que sempre falamos da importância de se fazer o acompanhamento com profissionais adequados, pois eles ajudarão na identificação e nos cuidados deste quadro.
O transtorno se manifesta de diversas formas. Uma delas é por meio das reações físicas, como taquicardia, hipertensão, dificuldades respiratórias, dores na cabeça e nas costas, boca seca, náuseas e diarreia.
Também pode-se observar algumas reações comportamentais em pessoas com ansiedade, como tremores, bloqueio, irritabilidade e alterações no tom de voz. Algumas pessoas também ficam mais hiperativas ou em estado de alerta.
Entre as reações cognitivas, as mais comuns são a preocupação excessiva, pensamentos intrusivos, dificuldades para se concentrar, insônia e alterações de memória.
Por fim, também é possível observar uma série de reações sociais em indivíduos com ansiedade, como dificuldades em dizer não ou discordar, angústia ao iniciar e manter uma conversa e preocupação excessiva com a opinião alheia.
A ansiedade em pessoas autistas: sinais e como lidar
Quando falamos de pessoas diagnosticadas com autismo, a atenção para os sinais de ansiedade deve ser redobrada. Isso porque muitas características deste transtorno podem ser confundidas – ou até “disfarçadas” – pelo espectro.
Imagine: o Transtorno do Espectro Autista naturalmente impõe dificuldades na socialização, logo, é ainda mais difícil de se compreender e dialogar, num primeiro momento, os sentimentos do indivíduo.
Diversas coisas podem ser gatilhos para crises de ansiedade em autistas. Mudanças repentinas na rotina e no ambiente, situações sociais imprevistas e até a sensibilidade sensorial podem deixar essas pessoas ansiosas.
Infelizmente, é impossível controlarmos todos os gatilhos que pessoas no TEA sofrem durante a vida. Porém, temos a possibilidade de lidar com eles de forma mais branda e, assim, diminuir os impactos que as crises de ansiedade podem causar – sempre contando, é claro, com a orientação de profissionais qualificados:
- Ensinar a reconhecer os sentimentos de ansiedade: A criança autista precisa aprender o que é a ansiedade e como ela a sente em seu corpo. Você pode fazer um desenho do corpo da criança, onde ela possa desenhar ou escrever o que acontece em cada parte em momentos de estresse;
- Orientar em estratégias de relaxamento: Respirações, contagens mentais, pequenas corridas pelo quintal ou ler um livro podem ser estratégias que ajudam a relaxar.
- Ensaiar situações estressantes: Para que o autista se prepare psicologicamente para algumas situações estressantes, é importante prepará-lo com antecedência, encaixando o reconhecimento de sentimentos e as técnicas de relaxamento. Dessa forma, eles podem entender melhor as situações antes que elas possam impactá-los!
A preocupação de muitos pais…
Quando colocamos um filho no mundo, nasce com ele um temor insuperável sobre aquilo que está por vir. Começamos a nos preocupar com coisas que antes pareciam levianas. Temos medo daquilo que podemos ser, do que não seremos e, principalmente, da forma como o mundo receberá os nossos pequenos. Afinal, o que ele vai oferecer? O que faltará da nossa parte? Do que vamos nos orgulhar, nos arrepender?
Noites em claro no travesseiro não ajudarão a encontrar essas respostas. Podemos – e devemos – nos certificar de que a maneira como cuidamos e educamos nossos filhos está alinhada aos nossos princípios.
Porém, assim como nós todos nos diferenciamos dos pais em algum momento da vida, os pequeninos serão diferentes daquilo que esperamos. Tanto as nossas boas expectativas quanto as preocupantes devem ser controladas!
Esse medo se intensifica ainda mais quando falamos de filhos com algum transtorno no neurodesenvolvimento, pois sabemos que a porta da nossa casa os guarda de uma sociedade que, apesar de estar se desenvolvendo para isso, ainda não está preparada para recebê-los de forma adequada.
Existem estudos que indicam um nível elevado de estresse e preocupação em famílias com crianças diagnosticadas com algum transtorno. O estudo “Autismo: intervenções psicoeducacionais”, publicado pela Revista Brasileira de Psiquiatria, fez uma pesquisa com 30 mulheres com filhos diagnosticados com TEA, para analisar a presença de estresse nessas mães. Os resultados obtidos demonstraram que 21 delas – ou seja, 70% – apresentavam sintomas de irritabilidade, e 13 estavam na fase de resistência.
Dados como esse demonstram que os pais também precisam de ajuda psicológica para lidar com os desafios impostos no dia-a-dia. Por isso, é importante cuidar da saúde mental desses responsáveis – tanto para não adoecer quanto para evitar que ele seja repassado para a criança.
Além da colaboração para a educação daqueles que convivem com a criança, é preciso valorizar o esforço feito no aqui e agora para colher bons frutos no futuro, combinado?
A influência da modernidade no medo do futuro
Nos tempos que vivemos, de rápidas transformações da sociedade e grande acesso à informação, a ansiedade está se tornando cada vez mais comum. Basta tirar o celular do bolso e ficar olhando um pouco nossas redes sociais. Somos invadidos por um sem número de notícias, que contribuem para que as ondas de pensamentos nos deixem angustiados sobre aquilo que vem pela frente.
Temos, inclusive, uma tendência natural a prestar mais atenção nas notícias ruins, o que colabora para os devaneios pessimistas sobre o futuro. Quando deixamos nossa atenção alternando entre as redes sociais e nossas ideias do que será o amanhã, perdemos a chance de observar tudo de bom que temos no aqui agora à nossa volta. Isso pode acabar nos adoecendo mentalmente.
Por outro lado, também recebemos uma munição incontrolável de postagens que simbolizam uma vida perfeita. Nos deixamos enganar por fotos e vídeos que em sua maioria são arquitetados e nos deixamos levar pela pergunta: o que eu não fiz e devo fazer agora para também ser assim? Por que não sou de tal forma? Só a minha vida é diferente? O que mais está por vir?
Sendo assim, é urgente que aprendamos a repousar nossa consciência no aqui e agora de nossas vidas. Isso significa diminuir nosso tempo nas redes sociais e domar nossa consciência para focar no presente. No aqui e agora, podemos dar conta de tudo que nos acontece. Além disso, podemos concentrar em nos conhecer melhor e desenvolver nossa capacidade de adaptação.
O futuro não será como nos imaginamos. Nem sequer a história mostra, como renomados videntes como Nostradamus imaginou. Precisamos aprender a desfrutar o aqui e agora das nossas vidas e desenvolver com calma habilidades que nos facilitem a adaptação às constantes mudanças que virão.